Prevenção do Suicídio: Como Falar com Cuidado, Reconhecer Sinais e Reforçar Fatores de Proteção
Publicado por: Psicóloga Fabiana Frade - Atualizado em 10/09/2025

Falar sobre suicídio não aumenta o risco. Pelo contrário, é uma das estratégias mais eficazes de prevenção. O silêncio, muitas vezes sustentado pelo medo, pelo estigma e pelos tabus, contribui para o isolamento e para a manutenção do sofrimento psíquico. Abrir espaço para o diálogo é reconhecer que a dor existe, oferecer acolhimento e possibilitar que quem sofre encontre alternativas antes de chegar a um ato extremo. Em um mundo onde milhões de pessoas enfrentam sofrimento silencioso, falar sobre suicídio é um gesto de humanidade, de cuidado e de responsabilidade coletiva.
O dia 10 de setembro é reconhecido internacionalmente como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. No Brasil, a campanha Setembro Amarelo ampliou a visibilidade do tema, promovendo conscientização social, educação em saúde e incentivo à procura de ajuda. A data chama atenção para um problema de saúde pública global que, segundo a Organização Mundial da Saúde, pode ser prevenido em mais de 90% dos casos, desde que haja tratamento adequado, rede de apoio e estratégias de intervenção efetivas.
Não por acaso, nesse período há um crescimento nas buscas sobre o tema em ferramentas como o Google Trends. Isso demonstra que a população procura compreender melhor os sinais de risco, aprender formas de acolher familiares e amigos, e buscar ajuda para si mesma. Esse interesse revela uma necessidade urgente: transformar informação em ação, aproximando ciência, cuidado clínico e responsabilidade social.
Panorama Atual do Suicídio: Dados que Reforçam a Urgência da Prevenção
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2023), mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano em todo o mundo. Esses números não representam apenas estatísticas: cada morte por suicídio tem um impacto profundo, atravessando famílias, amigos, redes sociais e comunidades inteiras, deixando marcas emocionais duradouras.
No Brasil, os dados do Ministério da Saúde indicam que, em 2021, foram registrados 16.262 óbitos por suicídio, representando um aumento de 11,8% em relação a 2010. Esse crescimento revela a urgência de fortalecer estratégias de prevenção, ampliar o acesso a cuidados em saúde mental e reduzir barreiras como o estigma e a falta de informação.
O suicídio é atualmente a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, uma faixa etária que deveria estar em pleno desenvolvimento social e pessoal. No entanto, é importante destacar que o fenômeno não se restringe aos jovens: idosos, adultos em sofrimento crônico e pessoas em contextos de vulnerabilidade também compõem grupos de risco significativos.
Esses dados reforçam a compreensão do suicídio como um problema de saúde pública multifatorial e prevenível, que exige a integração de políticas públicas, práticas clínicas e o fortalecimento das redes de apoio comunitárias.
Fatores predisponentes e precipitantes
O suicídio é um fenômeno multifatorial e nunca pode ser explicado por uma única causa isolada. A literatura científica aponta que diferentes elementos se entrelaçam, compondo um cenário de vulnerabilidade que, em determinados contextos, pode culminar em uma crise suicida.
Fatores predisponentes referem-se às condições que aumentam a vulnerabilidade de forma cumulativa ao longo da vida. Incluem histórico de traumas, presença de transtornos mentais como depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia, uso abusivo de substâncias psicoativas, isolamento social persistente, antecedentes familiares de suicídio e doenças crônicas que impactam a qualidade de vida. Esses fatores, embora não determinem por si só a ocorrência do suicídio, criam um terreno de maior fragilidade psíquica.
Fatores precipitantes dizem respeito a eventos recentes que funcionam como gatilhos imediatos. Entre eles estão rompimentos amorosos, falência ou perda de emprego, luto, diagnóstico de doenças graves, bullying e situações de violência. São acontecimentos que, quando incidem sobre uma pessoa já predisposta, podem intensificar sentimentos de desesperança e impulsionar a crise.
Distinguir entre fatores predisponentes e precipitantes é fundamental para a prática clínica e para a prevenção, pois permite compreender tanto a trajetória de vulnerabilidade quanto os momentos críticos de risco. Essa diferenciação auxilia profissionais, familiares e redes de apoio a desenvolver intervenções mais adequadas, que contemplem não apenas o evento imediato, mas também a história e as condições de vida que sustentam o sofrimento.
Sinais de alerta
Os sinais de risco para o suicídio nem sempre são evidentes, mas devem ser compreendidos como manifestações de sofrimento psíquico e pedidos de ajuda. Reconhecê-los precocemente é uma das principais estratégias de prevenção, pois permite que a pessoa em vulnerabilidade seja acolhida antes que a crise se intensifique.
Entre os sinais mais frequentemente observados estão:
● Mudanças bruscas de comportamento, como irritabilidade repentina, apatia ou queda significativa no desempenho em atividades cotidianas.
● Falas explícitas ou indiretas sobre morte, desesperança ou ausência de sentido para a vida, que podem aparecer em frases aparentemente banais.
● Isolamento social, afastamento de amigos, familiares e atividades antes prazerosas.
● Despedidas inesperadas ou incomuns, como visitas repentinas a pessoas importantes, mensagens de adeus ou comportamentos de encerramento de ciclos.
● Doação de pertences de valor afetivo ou material, como se estivesse organizando a própria partida.
● Aumento no uso de álcool ou drogas, que pode funcionar como forma de automedicação para aliviar a dor emocional.
É essencial compreender que tais sinais não devem ser minimizados nem interpretados como “dramatização”. Pelo contrário, devem ser vistos como indicadores de risco real. A resposta adequada envolve acolhimento, escuta ativa, ausência de julgamentos e incentivo à busca de ajuda profissional.
Reconhecer e agir diante desses sinais pode ser decisivo para salvar uma vida, lembrando que cada intervenção preventiva amplia as possibilidades de cuidado, recuperação e ressignificação da experiência de sofrimento.
O cuidado na forma de falar: Efeito Werther
A maneira como o suicídio é abordado no discurso social, familiar ou midiático exerce impacto direto na prevenção. O chamado Efeito Werther descreve o aumento de comportamentos suicidas após a ampla divulgação de casos de forma sensacionalista, romantizada ou com detalhes sobre o método utilizado. Esse fenômeno é especialmente relevante entre adolescentes e jovens, faixa etária mais vulnerável à influência social e à identificação com narrativas.
Por essa razão, a comunicação sobre suicídio deve ser sempre responsável e ética. Isso implica:
● Evitar descrições explícitas de métodos ou circunstâncias da morte.
● Não glamourizar ou romantizar o ato, impedindo que ele seja interpretado como solução para o sofrimento.
● Reforçar mensagens de prevenção e acolhimento, destacando que a busca por ajuda é possível e necessária.
● Indicar, sempre que possível, caminhos de suporte e redes de apoio, para que a pessoa em sofrimento saiba onde procurar auxílio imediato.
Assim, ao mesmo tempo em que se quebra o silêncio em torno do tema, garante-se que a fala contribua para a proteção da vida, fortalecendo o acesso a cuidados profissionais e promovendo uma cultura de cuidado.
Fatores de proteção
Se por um lado existem riscos que aumentam a vulnerabilidade ao suicídio, por outro há elementos reconhecidos como fatores de proteção, capazes de reduzir significativamente a probabilidade de ocorrência desse comportamento. Eles não eliminam o sofrimento, mas ampliam recursos internos e externos, fortalecendo a capacidade de enfrentamento diante das crises.
Entre os fatores de proteção mais importantes destacam-se:
● Vínculos afetivos estáveis, como o casamento e parcerias de confiança, que oferecem pertencimento, suporte emocional e sensação de continuidade da vida em conjunto. Relações de intimidade saudável funcionam como barreiras importantes contra a desesperança.
● Relacionamentos de qualidade com amigos e familiares, que possibilitam apoio em momentos de vulnerabilidade e ampliam a rede de suporte social.
● Espiritualidade ou crenças pessoais que reforcem o sentido da vida e a esperança em momentos de adversidade, favorecendo ressignificação e propósito.
● Acesso a cuidados de saúde e, em especial, à saúde mental, garantindo acompanhamento profissional adequado, tratamento precoce e intervenções baseadas em evidências.
● Envolvimento em atividades significativas e prazerosas, como trabalho, estudo, hobbies e participação comunitária, que fortalecem a autoestima e ampliam a motivação para viver.
Esses fatores não devem ser compreendidos como “imunidade ao suicídio”, mas como elementos de proteção que, somados, aumentam a resiliência psicológica e reduzem a probabilidade de que momentos de crise resultem em comportamentos autodestrutivos. Investir no fortalecimento de vínculos, no autocuidado e na integração social é uma das formas mais eficazes de promover saúde mental e prevenir o suicídio.
Intervenções baseadas em evidências: Safety Planning
Além da psicoterapia e do tratamento psiquiátrico, que são fundamentais no cuidado contínuo, há intervenções breves e práticas que podem ser aplicadas em momentos de crise. Uma delas é o Safety Planning Intervention (SPI), desenvolvida nos Estados Unidos e reconhecida internacionalmente como uma estratégia baseada em evidências para reduzir o risco de suicídio.
O Safety Planning é construído de forma colaborativa entre profissional e paciente, resultando em um plano escrito e personalizado que a pessoa pode acessar em situações de maior vulnerabilidade. O objetivo é fornecer recursos imediatos para atravessar o período crítico até que o impulso suicida diminua ou seja possível acessar ajuda especializada.
O plano geralmente envolve seis componentes centrais:
● Reconhecer sinais de alerta que indicam o início de uma crise suicida.
● Aplicar estratégias internas de enfrentamento, como técnicas de respiração, atividades físicas leves (caminhada) ou práticas de autorregulação, como ouvir música ou escrever.
● Buscar distração em locais ou com pessoas seguras, favorecendo a conexão social sem a necessidade imediata de falar sobre o sofrimento.
● Entrar em contato com familiares ou amigos de confiança, comunicando claramente a necessidade de apoio.
● Acionar profissionais de saúde ou serviços especializados, como psicólogos, psiquiatras ou unidades de pronto-atendimento em saúde mental.
● Restringir o acesso a meios letais, em parceria com familiares ou pessoas próximas, reduzindo o risco imediato durante a crise.
O Safety Planning deve ser revisto e atualizado periodicamente, garantindo que permaneça significativo e aplicável à realidade da pessoa. Essa intervenção mostra que, mesmo em situações de intensa desesperança, é possível criar um mapa de segurança que devolva ao indivíduo a percepção de controle e amplie suas chances de proteção.
Conclusão
O suicídio é um fenômeno complexo, multifatorial e profundamente impactante, mas que pode ser prevenido quando se unem ciência, cuidado clínico e redes de apoio. A compreensão dos fatores predisponentes e dos fatores precipitantes, o reconhecimento precoce dos sinais de alerta, a forma ética e responsável de falar sobre o tema e o fortalecimento de vínculos protetores são pilares fundamentais na construção de uma sociedade que valoriza a vida.
É essencial lembrar que a prevenção não se restringe ao mês de setembro. Embora o Setembro Amarelo amplifique a conscientização, o compromisso com a saúde mental deve ser permanente. Criar espaços de escuta, oferecer acolhimento e orientar para a busca de ajuda profissional são atitudes que podem interromper o ciclo de desesperança e abrir caminhos para a vida.
A prevenção do suicídio exige corresponsabilidade. Como lembra Leonardo Abrahão, precisamos de atitudes institucionais, cuidados individuais e políticas públicas para que o cuidado com a vida seja prioridade em todos os níveis da sociedade.
Falar com cuidado, ouvir com atenção e agir com responsabilidade são gestos que salvam. Cuidar de si e do outro é um compromisso coletivo e contínuo.
Atenção
Este conteúdo tem caráter informativo e não substitui acompanhamento psicológico ou psiquiátrico.
Em situações de crise, é fundamental buscar ajuda profissional imediatamente.
No Brasil, o CVV – Centro de Valorização da Vida oferece apoio emocional gratuito, sigiloso e disponível 24 horas por dia.
Ligue 188 | www.cvv.org.br
Referências
ABRAHÃO, Leonardo. Psicólogo, fundador da Campanha Janeiro Branco. Declaração em materiais institucionais da campanha. Disponível em: https://janeirobranco.com.br.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA; CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Suicídio: informando para prevenir. Brasília: ABP/CFM, 2014.
BRAGA, Luiza de Lima; DELL’AGLIO, Débora Dalbosco. Suicídio na adolescência: fatores de risco, depressão e gênero. Contextos Clínicos, São Leopoldo, v. 6, n. 1, p. 2-14, 2013. DOI: 10.4013/ctc.2013.61.01.
MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Boletim Epidemiológico: Mortalidade por suicídio e notificações de lesões autoprovocadas no Brasil 2010 a 2021. Brasília: Ministério da Saúde, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-mental/saude-mental/prevencao-do-suicidio.
OLIVEIRA, Jefferson Wladimir Tenório de et al. Características das tentativas de suicídio atendidas pelo serviço de emergência pré-hospitalar: um estudo epidemiológico de corte transversal. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 69, n. 4, p. 239-246, 2020. DOI: 10.1590/0047-2085000000289.
STANLEY, Barbara; BROWN, Gregory K. Safety Planning Intervention: A Brief Intervention to Mitigate Suicide Risk. Cognitive and Behavioral Practice, v. 19, n. 2, p. 256-264, 2012. DOI: 10.1016/j.cbpra.2011.01.001.
WERLANG, Blanca Susana Guevara; BOTEGGA, Neury José; CASSORLA, Roosevelt. Crise Suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Suicide worldwide in 2019: global health estimates. Geneva: WHO, 2021. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240026643.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Prevenção do suicídio: um imperativo global. Geneva: WHO, 2014. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/131056.
Vamos conversar?
Se você se identificou com esse texto, saiba que é possível sair desse ciclo. Com acompanhamento psicológico, acolhimento e autoconhecimento, é possível viver com mais leveza, presença e sentido. Não espere chegar ao limite. Cuidar da mente é um ato de amor e coragem. Fale comigo agora no ícone do WhatsApp.
Para mais conteúdos sobre saúde mental e relacionamentos, clique aqui para visitar meu Instagram.
Importante: Este artigo tem caráter informativo. Para diagnóstico e tratamento adequados, procure um(a) psicólogo(a) ou psiquiatra. Somente uma avaliação profissional pode indicar o melhor cuidado para sua saúde mental.